07/03/2025
Autor: Matheus Salviato Rodrigues
Data de produção: 23.2.2025
A Lei de Execuções Penais, estabelece que a pena privativa de liberdade será executada de forma progressiva, estabelecendo requisitos objetivos e subjetivos para a referida progressão.
A Lei 14.843/2024, no entanto, alterou o procedimento de progressão de regime previsto no art. 112 da Lei de Execuções Penais, ao passo que incluiu mais requisitos na seara dos requisitos subjetivos.
Isso porque, incluiu no texto legislativo, mais precisamente no § 1º do art. 112, requisito expresso para que se passasse ao cumprimento de pena em regime menos gravoso, qual seja o resultado positivo no exame criminológico.
Anteriormente à disposição de obrigatoriedade do exame criminológico, a Lei de Execuções Penais previa como requisito objetivo o cumprimento de lapso temporal mínimo no regime anterior, e como requisito subjetivo a boa conduta carcerária, que por expressa previsão legal era atestada pelo diretor do estabelecimento prisional, redação que foi dada pelo chamado pacote anticrime.
Ocorre que com a nova legislação, passou a prever como requisito subjetivo, além da boa conduta carcerária, atestada pelo diretor do estabelecimento prisional, o resultado positivo do exame criminológico, e com resultado positivo queremos dizer que se refere à indicação de que o reeducando esteja apto ao regime menos gravoso, seja o semiaberto ou o aberto, ao passo que pela redação genérica do dispositivo legal, deve ser aplicado o exame criminológico a qualquer forma de progressão de regime.
Da leitura do dispositivo legal, a conclusão extraída é lógica, a todos os casos se aplicará a realização do exame criminológico como requisito para o deferimento da progressão de regime.
Feitas as considerações iniciais, mister ressaltar que a referida lei é considerada lei penal. Assim, se aplica o instituto da irretroatividade da lei penal in pejus, de modo que o novo requisito para progressão de regime não pode retroagir e ser aplicado a fatos anteriores, quando a execução penal se iniciou antes da entrada em vigor da lei, uma vez que dificulta o acesso aos regimes mais brandos, portanto, é lei que, obviamente, piora a situação dos que estão submetidos a pena privativa de liberdade.
Neste ínterim, o Superior Tribunal de Justiça possui julgados neste sentido, não sendo possível falar em jurisprudência sedimentada, uma vez que a inclusão da obrigatoriedade do exame criminológico é recentíssima.
Nos autos do HC nº 200670-GO, a decisão do Superior Tribunal de Justiça alinhavou a questão:
RECURSO EM HABEAS CORPUS. PROGRESSÃO DE REGIME. EXAME CRIMINOLÓGICO. LEI N. 14.843/2024. NOVATIO LEGIS IN PEJUS. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO RETROATIVA. CASOS COMETIDOS SOB A ÉGIDE DA LEI ANTERIOR. PRECEDENTES.
1. A exigência de realização de exame criminológico para toda e qualquer progressão de regime, nos termos da Lei 14.843/2024, constitui novatio legis in pejus, pois incrementa requisito, tornando mais difícil alcançar regimes prisionais menos gravosos à liberdade.
2. A retroatividade dessa norma se mostra inconstitucional, diante do art. 5º, XL da Constituição Federal, e ilegal, nos termos do art. 2º do Código Penal.
3. No caso, todas as condenações do paciente são anteriores à Lei n. 14.843/2024, não sendo aplicável a disposição legal em comento de forma retroativa.
4. Recurso em habeas corpus provido para afastar a aplicação do § 1º do art. 112 da Lei de Execução Penal, com redação dada pela Lei n. 14.843/2024, determinando o retorno dos autos ao Juízo da execução para que prossiga na análise do pedido de progressão de regime.
(STJ – HC nº 200670-GO, 6ª Turma – Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, j. 20 de agosto de 2024).
Fato é, que o Superior Tribunal de Justiça já decidiu anteriormente, quando foi editada, em 2007, a lei que tornou mais rigorosos os lapsos temporais para progressão daqueles que foram condenados por crimes hediondos, inclusive editando súmula sobre o tema. [1]
O início da esteira jurisprudencial se deu nos julgamentos do HC n. 373.503, de relatoria da Ministra Maria Thereza de Assis Moura, e no AgRg no REsp n. 2.011.151, de relatoria do Ministro Reynaldo Soares da Fonseca.
Na ocasião, discutia-se a retroatividade da Lei 11.464/2007, onde se sedimentou o entendimento de que não retroagiria, assim como se inclina a fazer em relação a necessidade de exame criminológico.
Não se nega, ainda, que o STJ, a despeito da Súmula 439, admitia a realização de exames criminológicos, desde que a decisão do juiz fosse fundamentada, em respeito à individualização da pena, no entanto, na presente previsão legal, o que se discute, é realmente a aplicação indistinta da necessidade de exame criminológico – que embora decida assim o STJ, há decisões de Tribunais que aplicam retroativamente a novel legislação.
Concordamos com a posição do STJ, encabeçada pelo Ministro Sebastião Reis Júnior, no sentido de que é inconstitucional a retroatividade da lei penal quando não beneficia o réu, e, inclusive, ilegal, a despeito do art. 2º do Código Penal.
No entanto, entendemos que a inconstitucionalidade se dá tão somente na aplicação retroativa da legislação, ao passo que como sustenta Pedro Henrique Demercian, não há de se falar, de modo algum em violação à individualização da pena, primeiro porque o STJ já admitia a realização do exame criminológico, conforme a Súmula 439, depois porque o exame criminológico realmente buscará elementos de convicção, dada sua natureza pericial, para melhor individualizar a pena, buscando a reinserção do reeducando no meio social. [2]
Deste modo, concluindo, a exigência de exame criminológico constante no art. 112, § 1º da LEP constitui lei penal in pejus, não podendo ser aplicada a exigência retroativamente, posto que vedado pela Constituição Federal, bem como pelo art. 2º do Código Penal.
Outrossim, como já fez em relação a lei que dificultou a progressão de regime aos condenados por crimes hediondos, o STJ vem formando jurisprudência no sentido de não admitir a aplicação retroativa da nova exigência, corroborando, portanto, as previsões Constitucionais e legais.
[1] Súmula 471/STJ: Os condenados por crimes hediondos ou assemelhados cometidos antes da vigência da Lei n. 11.464/2007 sujeitam-se ao disposto no art. 112 da Lei n. 7.210/1984 (Lei de Execução Penal) para a progressão de regime prisional.
[2] Súmula 439/STJ: Admite-se o exame criminológico pelas peculiaridades do caso, desde que em decisão motivada.
Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da AASP .
Matheus Salviato Rodrigues.
Minibio: Advogado criminalista, formado pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, especialista em Direito Penal pela USP e especialista em processo penal pela Faculdade de Direito Damásio de Jesus.